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REFERÊNCIAS

Epitáfio carrega consigo algumas ideias e conceitos que surgiram e tomaram força principalmente na vanguarda Europeia do Impressionismo. Imageticamente falando, se torna engraçado comparar nossas fotografias com as obras belíssimas de Monet ou Renoir e tentar enxergar claras semelhanças, mas nossa proposta se encaixa muito mais em uma questão de conceito para criação estética do que só a estética visual propriamente dita. O impressionismo, na pintura, se tratava de uma técnica que valorizava a luz natural, uso de sombras coloridas e luminosas, foco no estudo dos efeitos óticos (ilusões), formas sem contorno totalmente nítido e muitas vezes obras compostas por manchas e um destaque para a natureza do mundo externo. O movimento do impressionismo surge a partir da ideia de que a pintura não tinha mais que servir como representação perfeita da realidade, ainda mais com advento da fotografia por exemplo. Seu principal objetivo era também representar o instante, o momento exato, e o sentimento instaurado por aquele momento.

 Nosso objetivo foi trazer tal ideia para própria fotografia, casando a proposta de nosso projeto com as características do Impressionismo e utilizando a técnica da longa exposição. Nosso principal interesse foi na composição de efeitos visuais que resultavam na fixação eterna do instante, focando na impressão visual criada por cada pessoa que passou pela sala. Procuramos trazer o mundo externo para o interno com a câmara escura e constituir uma realidade própria para cada um que fosse interessado em abrir seu mundo para nós.

Para deixar ainda mais claro o paralelo traçado na inspiração ao movimento do impressionismo, “Epitáfio” funcionava apenas com intervenção da luz do mundo exterior que adentrava a câmara escura. Apenas com o pequeno feixe de luz era possível realizar uma fotografia que destoava muito do acostumado aos olhos, uma imagem composta por muitas sombras e sem total nitidez, mas que ainda era possível identificar sobre o que se trata. Talvez porque, por fim, momentaneamente, a melhor definição que pode existir sobre nós seja quase um borrão ao olho nu.

Epitáfio surge como uma contraproposta à impessoalidade do cotidiano, visando resgatar o humano dentro de um universo de máquinas, sendo assim, apropria-se de uma delas, a câmera fotográfica para emergir a persona, capturando a personalidade dos participantes muitas vezes soterrada pela carga informacional diária. Para tanto, o projeto se debruça sobre certas referências que refletem o indivíduo.

O conceito personalidade, em seu sentido literal, aparece desde suas origens associado à noção de pessoa. Pessoa, termo derivado do latim persona, que significa máscara caracterizadora do personagem teatral, designa, na abrangência do termo, o homem em suas relações com o mundo. Essa abrangência, por sua vez, estende-se aos estudos sobre personalidade, que, em sua maioria, apresentam-se em acentuada conformidade com concepções idealistas, impregnados por significados abstratos e psicologizantes. (MARTINS, 2004, p. 83)

Em uma sociedade repleta de imagens, entender o que de fato é real ou não, assim como o papel que as mesmas possuem no sentido de “representar” o mundo, torna-se essencial para aprofundar-se no significado e intenções das imagens. Vilém Flusser, em seu livro “Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia”, questiona o sentido das imagens em relação ao seu papel como representação:

Imagens são mediações entre o homem e o mundo. O homem ‘existe’, isto é, o mundo lhe é acessível imediatamente. Imagens têm o propósito de lhe representar o mundo. Mas, ao fazê-lo, entrepõem-se entre mundo e o homem. Seu propósito é serem mapas do mundo, mas passam a ser biombos. O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função de imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas. Tal inversão da função das imagens é idolatria. (FLUSSER, 1983, p. 23)

As imagens, portanto, tornam-se representações não necessariamente verossímeis com a experiência do mundo real, criando um bloqueio sobre o real em vez de resguardá-lo. Tais distorções tornam-se cada vez mais comuns, nas quais a experiência real vem sendo deixada em segundo plano. Esconde-se o mundo e cria-se imagens para substituí-lo.

Assim, a principal ideia do que gostaríamos de despertar é exemplificada com clareza nas palavras de Roland Barthes sobre o autorretrato: “Sou ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte. ” (BARTHES, 1980. Pag. 27).

Seguindo esse âmbito, a ideia instaurada por Epitáfio é a de que cada indivíduo é agente de si ao tornar-se subitamente consciente de sua própria identidade ao escolher objetos para se representar. Tal imersão também possui inspiração em “Studio Butterfly” de Virginia de Medeiros onde, focando em gênero e sexualidade, dá-se voz e imagem a diversas travestis de Salvados (Bahia) ao convidá-las para sessões fotográficas nas quais foram fornecidos objetos, roupas e o espaço em si para que elas se caracterizassem da maneira que se sentissem confortáveis. As fotos foram posteriormente expostas no mesmo lugar dos ensaios e foi realizado um documentário contendo o depoimento (em vídeo) de cada uma que desejasse compartilhar sua história. Pensando nisso, apesar das discussões propostas serem distintas, o alicerce é compartilhado por ambos os projetos. 

Logo, partindo de tais referências, Epitáfio trabalha uma ideia de “Alter Ego” (ou para outros, “personagem”) na qual cada pessoa estará impossibilitada de criar uma nova persona para simbolizar sua imagem interna e refletir sua própria visão de futuro resultando na resposta de nossa indagação central: “como você gostaria de ser lembrado?”. 

A criação da câmara escura é arquitetada a partir da dissertação de Luis Moraes Coelho “Instalações de Câmera Escura em Espaços cotidianos: o espaço modificado e a meta-câmera fotográfica” de 2007, experimento realizado sobre a adaptação de câmaras escuras em ambientes públicos ou de acesso cotidiano das pessoas, causando reflexões e adequações necessárias para dar continuidade sua rotina nesse novo ambiente de penumbra.

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